Autodeclarado um movimento unido em torno da ideia de que o ambiente físico pode ter impacto direto no oferecimento de vidas mais prósperas e felizes aos habitantes, o Novo Urbanismo surgiu enquanto conceito nos Estados Unidos na década de 1990 e se consolidou por meio dos Congressos do Novo Urbanismo (CNU), realizados anualmente desde 1993.
Em 1996, três anos após o I Congresso do Novo Urbanismo, é lançada a Carta do Novo Urbanismo com o objetivo de estabelecer os ideais e princípios norteadores do movimento e, dessa forma, explorar as possibilidades do desenvolvimento das cidades norte-americanas.
A Carta do Novo Urbanismo
A Carta se inicia com os principais desafios que o Novo Urbanismo busca enfrentar, como espraiamento urbano desregulado, o desinvestimento nos centros urbanos, o aumento da segregação nas cidades, a perda de solos agrícolas, a degradação ambiental e a “erosão” do patrimônio edificado. Este cenário, frequente em muitas cidades norte-americanas entre as décadas de 1980 e 1990, causou uma grande insatisfação para muitos arquitetos, urbanistas e demais profissionais ligados ao desenvolvimento das cidades.
Com a Carta do Novo Urbanismo, são estabelecidas as principais ideias e conceitos norteadores do movimento, reunidos em 27 princípios divididos em três tópicos, que representam as diferentes escalas de ocupação de uma região, sendo eles:
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A região: metrópole, cidade e vila
A Carta define uma metrópole como um conjunto de cidades e municípios com seus centros e margens bem definidos. Neste tópico, defende-se que as comunidades contíguas aos limites da cidade devem ser organizadas em bairros e distritos integrados ao tecido urbano e aquelas além dos limites das cidades devem ser desenvolvidas como pequenas cidades independentes, com sua própria infraestrutura e serviços, de forma a não resultar em “subúrbios-dormitórios”.
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A vizinhança, o bairro e o corredor
Considerados elementos essenciais para o desenvolvimento e redesenvolvimento das metrópoles, a vizinhança, o bairro e o corredor devem ser planejados, segundo a Carta, de forma a encorajar o percurso a pé, prevendo, por exemplo, atividades a distâncias caminháveis e passeios largos. As vizinhanças devem ser multiculturais, o bairro deve conter serviços, escolas e parques e, por fim, os corredores (ruas e avenidas) devem ser planejados e coordenados de forma a conectar as diferentes regiões da melhor forma.
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O quarteirão, a rua e o edifício
O tópico inicia com a definição de ruas e espaços públicos como espaços de uso coletivo que devem ser seguros para as pessoas. Em termos arquitetônicos, a Carta prevê que os projetos de edifícios individuais devem estar bem integrados ao seu entorno e que esta questão transcende o estilo. Além disso, a arquitetura e o paisagismo devem estar de acordo com o clima, topografia e práticas construtivas locais.
Em linhas gerais, os novos urbanistas defendem uma reconfiguração dos centros urbanos com suas respectivas regiões metropolitanas e a transformação dos subúrbios em expansão em comunidades que buscam preservar o meio ambiente natural e o legado construtivo. Como resultado desses posicionamentos, foram consolidadas e popularizadas algumas estratégias de planejamento urbano, como o desenvolvimento de uso misto, o desenvolvimento orientado ao trânsito (transit-oriented development - TOD), os projetos de bairros tradicionais (traditional neighborhood design - TND), a integração de padrões projetuais em moradias populares e o projeto de ruas completas.
Cidades do Novo Urbanismo
Muitos consideram a cidade de Seaside, na Flórida, como a primeira cidade planejada segundo os preceitos do Novo Urbanismo, ainda que alguns estudiosos a considerem um empreendimento sem a integração regional que prega o movimento. Também conhecida por ser cenário do filme O show de Truman, do diretor Peter Weir, Seaside foi projetada em 1981 por Andrés Duany e Elizabeth Plater-Zyberk, dois dos principais nomes do movimento, e teve um enorme sucesso como empreendimento comercial.
Outro exemplo emblemático do movimento é a cidade de Celebration, também na Flórida. Construído em 1994, o empreendimento imobiliário da Disney Corporation é fruto de uma colaboração entre a Cooper, Robertson & Partners e Robert A.M. Stern e, junto a Seaside, tornou-se um produto para o setor imobiliário e turístico norte-americano. O site do Congresso para o Novo Urbanismo define Celebration como uma cidade ativa que atrai pessoas com sua ênfase nos princípios tradicionais de planejamento urbano.
A partir do sucesso das primeiras cidades planejadas e construídas sob os moldes do Novo Urbanismo, o movimento cresceu e tanto a sua prática como a presença em discussões teóricas se tornaram mais frequentes. Embora tipicamente norte-americano, o modelo pode ser encontrado em outras cidades e bairros ao redor do mundo, como Melrose Arch, em Joanesburgo e a cidade experimental (ou extensão urbana) de Poundbury, na Inglaterra, apenas para citar algumas. Além das cidades do Novo Urbanismo, experiências urbanas em diferentes escalas também encontram respaldo no movimento, como é demonstrado no livro 25 Great Ideas of New Urbanism, que reúne experiências das últimas três décadas que, se não foram inventadas por novos urbanistas, ao menos contaram com sua contribuição.
O Novo Urbanismo é realmente novo?
A defesa da participação comunitária, da caminhabilidade das cidades, das áreas de uso misto e da concepção de espaços públicos que encorajem o convívio das pessoas são ideais recorrentes no âmbito do planejamento urbano, e por isso alguns autores consideram o conjunto de princípios norteadores do Novo Urbanismo como senso comum no campo. No artigo The New Urbanism and the Communitarian Trap, David Harvey pontua sua preocupação de que o movimento repita a falácia dos estilos de planejamento que critica:
[O Novo Urbanismo] não perpetua a ideia de que a formação de uma ordem espacial é ou pode ser a base para uma nova ordem moral e estética? Não pressupõe que um projeto adequado e qualidades arquitetônicas serão a salvação não apenas das cidades americanas, mas da vida social, econômica e política em geral? - David Harvey
Embora as críticas em torno da suposta “novidade” envolvida no conceito não sejam as únicas a questionar a teoria e prática do Novo Urbanismo, são fundamentais para pôr o tema em perspectiva e lançar novos olhares para o movimento, sobretudo ao se considerar o intervalo temporal que distancia o I Congresso do Novo Urbanismo e suas reverberações quase três décadas depois.
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Referências bibliográficas
CNU. The Charter of the New Urbanism. Congress for the New Urbanism. Acesso em: 21 jan. 2021.
HARVEY, David. The new urbanism and the communitarian trap. Harvard Design Magazine, n. 1, 1997. Acesso em: 21 jan. 2021.